A ordem de repatriação de Muslim M. A. Abuumar Rajaa, o cidadão palestino que foi interrogado e detido pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, foi suspensa na tarde deste sábado (22/06) por uma decisão de caráter liminar.

Conforme a apuração de Opera Mundi, a detenção havia sido ordenada pela chefia de Inteligência da PF, em Brasília, ligada ao Instituto para Operações Especiais e de Inteligência de Israel (Mossad). Dessa forma, Muslim, sua esposa grávida, seu filho e sua sogra, que desembarcaram em São Paulo no dia anterior, foram impedidos de ingressar no território brasileiro e obrigados a voltar à Malásia.

Agora, com a decisão, a PF terá 24 horas para apresentar os motivos do bloqueio.

“A decisão da Justiça Federal traz um alento à defesa e à família. Causa estranheza a Polícia Federal impedir um cidadão palestino de adentrar ao Brasil sem respeitar o rito da Lei de Imigração e sem apresentar motivação específica para o óbice”, explicou o advogado do caso, Bruno Henrique de Moura, a Opera Mundi.

“Vamos aguardar os motivos da Polícia Federal para demonstrar o comportamento probo e condizente com a legislação brasileira por parte do Sr. Muslim. Sua origem não lhe retira suas garantias fundamentais”, acrescentou.

O advogado sustentou que a Polícia Federal não provou até o momento que Muslim tenha infringido “alguma normativa nacional ou que tenha sofrido condenação judicial por algum Estado reconhecido pelo Brasil”., uma vez que teve seu visto renovado há poucos dias pela Embaixada do Brasil na Malásia, país de residência.

Mencionou ainda que a autoridade policial colocou a possibilidade de repatriação forçada sob responsabilidade da companhia aérea Qatar Airways para impedir que a família ingresse no país.

Outro detalhe que chama atenção, de acordo com Bruno, é de que a medida tomada pela PF também pode ser considerada uma perseguição contra Muslim em decorrência de sua nacionalidade palestina.

“O impetrante MUSLIM, responsável pela família, é originário da Palestina, país sabidamente sofrendo de ataques militares, e por sua nacionalidade, hoje, ser alvo de perseguição por parte de Estado Estrangeiro com teias em centenas de nações”, afirma o documento.

A decisão deste sábado aponta que não foram respeitados os procedimentos da legislação brasileira, em especial a Lei do Migrante, assim como o “risco à saúde” da esposa de Muslim, grávida de sete meses.

“No caso, tendo em vista a documentação juntada pelos impetrantes, não é possível aferir os motivos pelos quais foram impedidos de entrar no Brasil, fazendo-se, portanto, indispensável a prévia oitiva da autoridade impetrada para melhor compreensão dos fatos”, diz, portanto, o documento.

Uma ordem de caráter persecutório e político

A Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL) celebrou a decisão liminar que suspendeu a ordem de repatriação de Muslim, uma vez que “não há qualquer indício de atividade ilícita” do cidadão.

“A Polícia Federal planejava expatriar Muslim e a família ainda hoje para Malásia, uma decisão arbitrária e de caráter persecutório e político”, afirmou a entidade palestina. “A revogação da expatriação é uma vitória do Estado de Direito contra a flagrante e obscena perseguição política, além da interferência de agentes estrangeiros no Brasil, que serão investigadas.”

Leia a decisão liminar na íntegra: “Vistos em plantão judiciário.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por MUSLIM M. A. ABUUMAR, SITI AISYAH BINTI MOHD MUNASA, MOHAMAD IMRAN BIN MUSLIM e KHATIJAN JENNIE BINTI ABDULLAH, contra ato do Delegado-Chefe da Delegacia de Polícia Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos, consubstanciado no impedimento de ingresso dos impetrantes em território nacional.

Conforme narrativa dos fatos extraída da petição inicial, os impetrantes:

“Compraram passagens de ida para o dia 21/06/2024, para os quatro, bem como de retorno à Malásia entre 09 de julho de 2024 (saída de Guarulhos) e 11 de junho de 2024 (chegada às 07h50 em Kuala Lumpur).

Com a documentação necessária, embarcaram em Kuala Lumpur, fizeram escala em Doha e desembarcaram no Brasil às 17h45 do dia 21 de junho de 2024. Aí começa a saga que vem enfrentando.

Na porta do avião, MUSLIM foi abordado por agentes da Polícia Federal que o levaram para interrogatório. No ato, agente que não foi identificado, questionou suas predileções políticas, se ele apoia e a resistência palestina à ocupação da faixa de gaza pelo Estado de Israel e suas motivações para viajar até o Brasil.

Conforme relatado pelo Sr. MUSLIM, que não foi acompanhado por tradutor ou por advogado, a Polícia Federal não apresentou qualquer documento ou prova de que ele infrinja alguma normativa nacional ou que tenha sofrido condenação judicial por algum Estado reconhecido pelo Brasil

Não houve voz de prisão – o que seria um descalabro, mas diante de arrebatadora entrevista – ou acusação de atos delitivos relacionados à soberania brasileira. Mesmo assim, foi informado a MUSLIM que ele não adentraria ao Brasil e que seus familiares – esposa, sogra e filho -, por parentesco com o impetrante, também seriam impedidos de ficar em nosso país.

A Polícia Federal não entregou a MUSLIM nenhum termo ou documento apresentando as razões pelas quais a Polícia Federal impede seu ingresso em nosso território. Ressalta-se que o art. 45 e s.s. da Lei n. 13.445/2017 dispõe sobre as hipóteses de impedimento de ingresso ao Brasil.

A autoridade policial, informalmente, comunicou que ele voltaria o quanto antes à origem, qual seja a Malásia, e colocou sua repatriação forçada, sob responsabilidade da Qatar Airways”.

Nesse contexto, os impetrantes requerem, em caráter de urgência:

“A concessão de medida liminar para suspender a repatriação/expulsão forçada dos 4 impetrantes, com autorização condicional de ingresso no país com a devida informação do juízo do local em que estarão hospedados e com o compromisso de retornarem à Malásia em 10 de julho de 2024, e até o julgamento da presente ação mandamental, tendo em vista que não se respeitou os procedimentos da legislação brasileira (Lei do Migrante, Decreto Regulamentador e Portaria 770/2019 do MJSP), bem como pelo risco à saúde de SITI, uma vez que está grávida de 7 (sete) meses e uma viagem de mais de 40 horas, em tão pouco tempo, é risco para a gravidez – portanto, por razões humanitárias; ou,

Tutela de urgência para garantir a estada dos impetrantes no Brasil até a juntada de informações por parte da Polícia Federal e/ou manifestação do Ministério Público Federal, uma vez que não apresentaram aos impetrantes documento de impedimento de estada e nem respeitaram o prazo para recurso da decisão administrativa; ou d. Subsidiariamente, a concessão de liminar para impedir a repatriação dos 4 impetrantes por razões humanitárias/pelo risco à integridade física dos impetrantes, uma vez que o impetrante MUSLIM, responsável pela família, é originário da Palestina, país sabidamente sofrendo de ataques militares, e por sua nacionalidade, hoje, ser alvo de perseguição por parte de Estado Estrangeiro com teias em centenas de nações; ou,

A concessão de liminar para obstar a repatriação de SITI, MOHAMAD e KHATIJAN¸ posto que são cidadãos da Malásia, não pende contra eles nenhuma restrição nacional ou estrangeira, e a mera relação familiar com MUSLIM não é motivo idôneo para impedir seu ingresso ao país; ou, em derradeiro,

Que se conceda da liminar para a manutenção de SITI e MOHAMAD – filho menor de idade com 6 (seis) anos – no Brasil até sua pronta recuperação da imigrante que precisou de atendimento médico em decorrência da abordagem realizada”

No caso, tendo em vista a documentação juntada pelos impetrantes, não é possível aferir os motivos pelos quais foram impedidos de entrar no Brasil, fazendo-se, portanto, indispensável a prévia oitiva da autoridade impetrada para melhor compreensão dos fatos.

Tendo em vista, porém, a urgência da situação narrada e a possibilidade de perda do objeto deste writ, impõe-se a concessão da liminar exclusivamente para obstar a repatriação dos impetrantes até ulterior decisão judicial.

Assim, DEFIRO, EM PARTE, o pedido liminar, tão somente para obstar a repatriação dos impetrantes, até ulterior deliberação do juízo, bem como para determinar à autoridade impetrada que tome todas as providências necessárias para garantir eventual atendimento médico hospitalar à impetrante SITI, que se encontra grávida.

Comunique-se o teor da presente decisão à autoridade impetrada, pelo meio mais expedito, solicitando-lhe que preste as informações referentes ao caso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Prestadas as informações, abra-se vista dos autos ao Ministério Público Federal.

Guarulhos, 22 de junho de 2024.